Em comunicado divulgado hoje, a Comissão de Direitos Humanos
da Ordem dos Advogados (CDHOA) disse ter ainda concluído que, em relação ao
surto neste lar, se registou "também a violação do direito constitucional
dos consumidores".
A CDHOA revelou hoje, no mesmo comunicado, que terminou as
averiguações e elaborou os relatórios finais referentes aos surtos de covid-19
no Lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva (FMIVPS), em Reguengos de
Monsaraz, e do Lar do Comércio, em Matosinhos (distrito do Porto), onde também
registou indícios de violação de direitos humanos.
O surto em Reguengos de Monsaraz foi detetado em 18 de
junho, tendo provocado 162 casos de infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2.
A maior parte dos casos de infeção aconteceu no lar da
FMIVPS, envolvendo 80 utentes e 26 profissionais, mas também 56 pessoas da
comunidade foram atingidas, tendo morrido 18 pessoas (16 utentes e uma
funcionária do lar e um homem da comunidade).
No relatório respeitante a esta estrutura residencial para
pessoas idosas (ERPI) alentejana, a Comissão de Direitos Humanos admite que não
lhe compete "apurar responsabilidades, nem substituir-se aos
tribunais", e lembra que o que aconteceu no lar "é neste momento
objeto de investigação num processo de Inquérito dirigido pelo Ministério
Público".
Contudo, ressalva, "a confirmarem-se como verdadeiros
os factos constantes" do relatório da auditoria aos cuidados clínicos
prestados ao utentes que foi elaborado pela Ordem dos Médicos, a CDHOA
"manifesta a sua profunda preocupação e apreensão".
Tal deve-se ao facto de "os acontecimentos ocorridos em
junho poderem configurar uma violação grave dos direitos humanos e dos direitos
liberdades e garantias consagrados na Constituição da República
Portuguesa", pode ler-se no comunicado.
Segundo a CDHOA, pode, estar em causa violações do direito à
vida (artigo 24º da Constituição), do direito à integridade pessoal (artigo
25º), do direito à liberdade e à segurança (artigo 27º), do direito dos
consumidores (artigo 60º) e do direito à saúde (artigo 64º).
No relatório, consultado pela agência Lusa, a Ordem invoca a
"falta de condições", que "não permitiu delimitar a transmissão
do vírus, com responsabilidade para a gestão do lar", e a
"desorganização e consequente prejuízo para o doentes", que
considerou ser "atribuível" à Autoridade de Saúde e à Administração
Regional de Saúde (ARS) do Alentejo.
"Os doentes não foram tratados de acordo com as boas
práticas clínicas, com responsabilidades para quem, sabendo que não tinha os
recursos humanos adequados e preparados, permitiu que a situação se protelasse
no tempo", é referido.
Assim, acrescenta o documento, "criaram-se condições
para rápida disseminação, com responsabilidades para quem geria o espaço, o
processo de rastreio epidemiológico e a aplicação das normas" da
Direção-Geral da Saúde (DGS), conclui a CDHOA.
A Ordem considerou também que "os responsáveis, que
foram alertados pelos profissionais, não agiram atempadamente e em
conformidade, mantendo os doentes em circunstâncias penosas e facilitando o
crescimento do surto, antes da transferência para o pavilhão". Além disso,
o lar "não cumpriu as regras estabelecidas e não teve assim condições para
enfrentar com rigor o surto".
A "decisão de transferir todos os infetados para um
'alojamento sanitário' no pavilhão" foi, segundo o relatório, uma
"medida tardia, quando era fácil ter sido tomada de imediato no início do
surto", sendo que, "mesmo em melhores condições, a falta de gestão e
coordenação continuou a impedir que os doentes, os profissionais e os voluntários
estivessem em ambiente seguro", que tem de ser imputado, "mais uma
vez, à ARS Alentejo e à Autoridade de Saúde".
A outra conclusão é a de que os responsáveis do pavilhão
"sempre exigiram a presença de médicos e enfermeiros em permanência nas
instalações, assumindo dessa forma a gravidade clínica da situação e o
consequente desvio de profissionais de saúde dos seus locais habituais de
trabalho, não se compreendendo a manutenção dos doentes num local inapropriado
para a realização de cuidados diferenciados".
Para a CDHOA, "sem prejuízo do princípio da presunção
de inocência", os acontecimentos neste lar "devem ser investigados
até às últimas consequências".
E, acrescentou, "caso se apure a culpa ou
responsabilidade de alguém, deve ser julgado e punido de acordo com a Lei e os
lesados serem devidamente ressarcidos".
A Procuradoria-Geral da República instaurou um inquérito ao
surto de covid-19 no lar da FMIVPS.
O relatório da comissão de inquérito da Ordem dos Médicos
acerca da estrutura, conhecido em 06 de agosto, aponta para o incumprimento das
orientações da Direção-Geral da Saúde.
Lusa